domingo, 28 de novembro de 2010

ACHO INÚTIL FALAR: a vida no acaso das gotas pequenas

9 - Por ser contraditória ou apesar disso, em uma de minhas constitutivas dicotomias, viver é um ato sublime. Entendo aqui que viver é ação, mesmo quando nada fazemos. O simples fato de viver já é, em si mesmo, agir. Talvez isso ajude a explicar a necessidade que temos do ócio para sermos criativos. É que a vida, sendo já em si mesma ação, reclama para si tempo para viver-se. Ora, ninguém pode agir simplesmente e o tempo todo por impulso. Precisamos pensar a vida. E pensar a vida exige, antes, respirá-la. Senti-la. Não quero perder-me em uma ótica simplista, mas um simples ato de viver é cheio, em si mesmo, de uma infinidade de gotículas de vivências: sento-me para tomar um café e observo, na mesa ao lado, um grupo conversando em um tom mais alto do que eu gostaria. Uma senhora com o cabelo mal pintado de loiro ri e eu a vejo como uma professora de pedagogia. A transferência é duplamente maldosa: primeiro, porque conheci excelentes professores nos cursos de pedagogia, mas em tão pequeno número que me fizeram construir um estereótipo bem complicado da classe (se posso falar em termos tão livres); depois, porque acho o curso de pedagogia um mau líder, tendo, por muitas vezes, a falsa impressão de ser capaz de abranger (e ensinar) o tudo. Claro, o fato de que eu sou um educador pesa muito. Penso, então, em problemas da educação brasileira, problemas com os quais convivo, problemas da escola pública, problemas da escola particular. Em outra mesa, dois amigos gays conversam sobre a qual filme assistir na sequencia e isso me leva ao fato de que ainda não assisti ao novo filme do Woody Allen. Gosto do Woody Allen. Classifiquem-me como quiserem. A procura do sentido da vida do filme me conduziu a rever este blog que já tinha meio abandonado. Afinal, o tempo é curto para cuidar de um blog, quanto mais de dois! Mas, aqui estou. Entre esses pequenos momentos de ócio, seja o café, seja o cinema, não parei de agir nem de viver.

10 - Mas não controlamos a vida vivendo-se, nem muito menos podemos ter a pretensão de que nossos planos irão indubitavelmente realizar-se. O acaso, mais próximo de uma teoria de conspiração do caos, pode mexer com todas as peças a qualquer momento. Enquanto tento compreender o que está acontecendo no Rio de Janeiro, com a tomada do morro do Alemão, meus olhos pousam em um comentário paralelo: "Geisy Arruda esteve no casamento de não sei quem". Geisy Arruda é de um acaso superior a qualquer expectativa, se considerarmos êxito na vida pelos padrões da maioria: do nada e da insignificância ganhou uma notoriedade como poucas, provavelmente efêmera, é verdade, mas que já lhe valeu para conquistar terreno dentro do espaço que considera valor. Como não lembra-se bem quem era Geysi Arruda digitei seu nome no google e aparecem, logo na primeira página, em um blogcom vocação para a comédica, do antes e depois da fama, que também pode ser visto como antes ou depois da esculhambação. Um comentário postado profetiza que a nova musa brasileira será a Aretuza. Quem é essa? penso eu. Descubro (viva o google!) que é um sucesso do youtube por ter sido filmanda vomitando numa montanha russa. Dentro de mim rio muito e, contraditoriamente, lamento ser tão simples ter fama hoje em dia. Como as pessoas solicitam pouco da vida. Ainda não havia, nesse momento, tomado o café ao lado do grupo em que havia uma senhora pseudo-loira falando muito alto.

11 - O acaso, feito uma teoria do caos, varre todos os cantos de nossa vida. E ele não varre nada, visto que não é persona, mas o simples realizar-se das gotículas de ação da vida. Então, como posso afirmar ser a vida sublime? Não me alongo em etimologia, entendo 'sublime' como grandioso e único. É que entre o acaso e o planejado, entre o que controlamos e o que foge completamente ao nosso controle há uma forte interação. Há também a liberdade de pensar caminhos, de conquistar espaços, de reinvindicar-se como autonomia, de agir dentro da ação que é viver. Posso sofrer e ficar deprimido e considerar o sofrimento como uma injusta loteria que vai na direção contrária a tudo o que desejo. Posso, desse modo, afundar-me na depressão. Posso, no entanto, deseja a luz. Posso esforçar-me em sair do sofrimento, em buscar ajudas, em repensar meu viver. Não há garantias de que isso terá o efeito desejado, mas não deixa o acaso ir diretamente na direção do caos e desse processo interativo, por vezes, encontramos outros resultado impensados, até melhores do que aqueles que, inicialmente, desejávamos.

12 - O que, sejamos honestos, me custa nesse processo de reconstruir as diversas ações da vida enquanto me autorreconstruo é ser coerente comigo mesmo, com  a essência, o espírito de quem sou. Porque, apesar de todo esse chover que é viver, há, na própria identidade de minha vida, uma essência que amarra entre si os diferentes tempos e consegue ver, na saída do cinema, do filme do Woody Allen, a alegria de estar caminhando numa noite algo fria de São Paulo mesclada à nostalgia de ser domingo a noite que sentia quando era um adolescente.