9 - Por ser contraditória ou apesar disso, em uma de minhas constitutivas dicotomias, viver é um ato sublime. Entendo aqui que viver é ação, mesmo quando nada fazemos. O simples fato de viver já é, em si mesmo, agir. Talvez isso ajude a explicar a necessidade que temos do ócio para sermos criativos. É que a vida, sendo já em si mesma ação, reclama para si tempo para viver-se. Ora, ninguém pode agir simplesmente e o tempo todo por impulso. Precisamos pensar a vida. E pensar a vida exige, antes, respirá-la. Senti-la. Não quero perder-me em uma ótica simplista, mas um simples ato de viver é cheio, em si mesmo, de uma infinidade de gotículas de vivências: sento-me para tomar um café e observo, na mesa ao lado, um grupo conversando em um tom mais alto do que eu gostaria. Uma senhora com o cabelo mal pintado de loiro ri e eu a vejo como uma professora de pedagogia. A transferência é duplamente maldosa: primeiro, porque conheci excelentes professores nos cursos de pedagogia, mas em tão pequeno número que me fizeram construir um estereótipo bem complicado da classe (se posso falar em termos tão livres); depois, porque acho o curso de pedagogia um mau líder, tendo, por muitas vezes, a falsa impressão de ser capaz de abranger (e ensinar) o tudo. Claro, o fato de que eu sou um educador pesa muito. Penso, então, em problemas da educação brasileira, problemas com os quais convivo, problemas da escola pública, problemas da escola particular. Em outra mesa, dois amigos gays conversam sobre a qual filme assistir na sequencia e isso me leva ao fato de que ainda não assisti ao novo filme do Woody Allen. Gosto do Woody Allen. Classifiquem-me como quiserem. A procura do sentido da vida do filme me conduziu a rever este blog que já tinha meio abandonado. Afinal, o tempo é curto para cuidar de um blog, quanto mais de dois! Mas, aqui estou. Entre esses pequenos momentos de ócio, seja o café, seja o cinema, não parei de agir nem de viver.
10 - Mas não controlamos a vida vivendo-se, nem muito menos podemos ter a pretensão de que nossos planos irão indubitavelmente realizar-se. O acaso, mais próximo de uma teoria de conspiração do caos, pode mexer com todas as peças a qualquer momento. Enquanto tento compreender o que está acontecendo no Rio de Janeiro, com a tomada do morro do Alemão, meus olhos pousam em um comentário paralelo: "Geisy Arruda esteve no casamento de não sei quem". Geisy Arruda é de um acaso superior a qualquer expectativa, se considerarmos êxito na vida pelos padrões da maioria: do nada e da insignificância ganhou uma notoriedade como poucas, provavelmente efêmera, é verdade, mas que já lhe valeu para conquistar terreno dentro do espaço que considera valor. Como não lembra-se bem quem era Geysi Arruda digitei seu nome no google e aparecem, logo na primeira página, em um blogcom vocação para a comédica, do antes e depois da fama, que também pode ser visto como antes ou depois da esculhambação. Um comentário postado profetiza que a nova musa brasileira será a Aretuza. Quem é essa? penso eu. Descubro (viva o google!) que é um sucesso do youtube por ter sido filmanda vomitando numa montanha russa. Dentro de mim rio muito e, contraditoriamente, lamento ser tão simples ter fama hoje em dia. Como as pessoas solicitam pouco da vida. Ainda não havia, nesse momento, tomado o café ao lado do grupo em que havia uma senhora pseudo-loira falando muito alto.
11 - O acaso, feito uma teoria do caos, varre todos os cantos de nossa vida. E ele não varre nada, visto que não é persona, mas o simples realizar-se das gotículas de ação da vida. Então, como posso afirmar ser a vida sublime? Não me alongo em etimologia, entendo 'sublime' como grandioso e único. É que entre o acaso e o planejado, entre o que controlamos e o que foge completamente ao nosso controle há uma forte interação. Há também a liberdade de pensar caminhos, de conquistar espaços, de reinvindicar-se como autonomia, de agir dentro da ação que é viver. Posso sofrer e ficar deprimido e considerar o sofrimento como uma injusta loteria que vai na direção contrária a tudo o que desejo. Posso, desse modo, afundar-me na depressão. Posso, no entanto, deseja a luz. Posso esforçar-me em sair do sofrimento, em buscar ajudas, em repensar meu viver. Não há garantias de que isso terá o efeito desejado, mas não deixa o acaso ir diretamente na direção do caos e desse processo interativo, por vezes, encontramos outros resultado impensados, até melhores do que aqueles que, inicialmente, desejávamos.
12 - O que, sejamos honestos, me custa nesse processo de reconstruir as diversas ações da vida enquanto me autorreconstruo é ser coerente comigo mesmo, com a essência, o espírito de quem sou. Porque, apesar de todo esse chover que é viver, há, na própria identidade de minha vida, uma essência que amarra entre si os diferentes tempos e consegue ver, na saída do cinema, do filme do Woody Allen, a alegria de estar caminhando numa noite algo fria de São Paulo mesclada à nostalgia de ser domingo a noite que sentia quando era um adolescente.
domingo, 28 de novembro de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
ACHO INÚTIL FALAR: o eu partido em meios
5 - Estamos tão acostumados a conviver com a contradição que nem notamos como a contradição é constitutiva de nossa identidade, de quem, efetivamente, somos. Eu sou eu mais um não-eu - contraditório - (que é um outro?) convivendo em um espaço-tempo. Em breve, serei outro. O outro de mim mesmo. Eu sou um ser subjetivo, constituído de interioridades; mas nem isso diz tudo de mim, pois sou um ser fragmentado, vivendo a constante ilusão de unidade. Sublinhe, o leitor, a palavra 'ilusão'. Alguns são tão subjetivos e tão interiores como uma folha de papel. Mesmo assim, atrevo-me a pensar que eu sou um ser subjetivoS. Carrego várias subjetividades que me expandem dentro de mim mesmo. Universos que juntos tecem quem sou. Ou assim me iludem. Entendam ilusão como meta, reto, objetivo, mas nunca assumido, pois raramente percebido. Ter um objetivo sem saber que se tem: ser um. É pelo seu olhar subjetivo, fragmentado, plural e, ao mesmo tempo, ansiando a unidade - portanto, contraditório - que o eu fica conhecendo o mundo, todo o mundo ao seu redor, o tempo e o espaço. E vive a ilusão. O mundo é conhecido pelo olhar contraditório do eu. Só desse modo conhecemos o Outro, tão fragmentando e subjetivo e contraditório como nós mesmos.
6 - Mas há o outro. Igualmente contraditório. Igualmente iludido. Igualmente carregado de silêncios e pluralidades. E há o mundo. etc. Nosso olhar ao mundo busca a razão. Superamos, com o advento da Filosofia, o mito. Nosso olhar, ansioso da razão, construiu, como realidades históricas, a Ciência, a Tecnologia, a Lógica, a Educação... Mas não se contém nesse construir. Personifica-as, torna-as sagradas. Passam a desfrutar, como nós mesmos, a ilusão de serem unidades não-plurais. De não conviverem no seu espaço interior com o não-eu. Sacralizar a unidade do que não é um. Vencemos o mito, não o mythos. Ainda desejamos Deus. Nova contradição. E um silêncio. O subjetivo explode, fragmentado, na construção histórica do objetivo. Porque não olhamos o mundo em um só momento, mas em uma pluralidade de momentos, tantos que nos dão a ilusão de fluir uma continuidade. O tempo. O espaço. Uma continuidade que é, ela mesma, contraditória e plural, mas não o parece. E entre a construção histórica desse fluir e a consciência subjetiva de que existe um presente objetivo, dança tensa o que nos acostumamos a chamar de realidade.
7 - O outro é contraditório na sua subjetividade, na procura da razão, na construção histórica dessa assim denominada realidade presente. Ilusão: não existe nada parecido a uma realidade presente. Existem realidades presentes quantas forem as subjetividades que existam no mundo. E elas se tecem e se misturam e, promíscuas, se enredam de tal forma construindo silêncios e a ilusão. Mas o outro participa conosco na construção dessa delicada pluralidade que desejamos una: a história da Civilização, a modernidade, a história da Literatura Universal - pura ilusão. Precisamos do outro para sermos nós mesmos. O outro traz consigo a circunstância. O outro traz em si o não-eu e, com ele, a possiblidade de sermos mais do que subjetivos. O outro traz para mim uma visão de eu e de mundo externa a quem eu sou e que me garante a pluralidade numa atitude oposta àquela que mantenho comigo mesmo de que não sou plural. O outro traz consigo a objetividade que nunca encontro pura. No entanto, esse desejo é parte de mim de tal modo que exclui-lo é alijar o eu. E eu apenas me aproximo do outro pela linguagem. Particularmente, pela palavra. A palavra constrói, acima de tudo, a história. A palavra elabora o eu e o eu na sua relação com o outro. A palavra é, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva. A palavra é, ela mesma, ilusão.
8 - A construção histórica dessa realidade presente é contraditória, mesmo que, muitas vezes, não se compreenda essa contradição, e como, nós mesmos que a construímos somos contraditórios - nós e o outro, é de estranhar que a palavra também o seja? A palavra carrega consigo todas as contradições da subjetividade e a ilusão de ser objetiva. Ela carrega também em si o silêncio. Mas carregando-os, assimila-os e faz com que já não se distinga o que é palavra, o que silêncio o que contradição... o que... E como é, ela mesma, contradições, carrega também a ingenuidade de ser aquilo que o outro dela puder fazer.
6 - Mas há o outro. Igualmente contraditório. Igualmente iludido. Igualmente carregado de silêncios e pluralidades. E há o mundo. etc. Nosso olhar ao mundo busca a razão. Superamos, com o advento da Filosofia, o mito. Nosso olhar, ansioso da razão, construiu, como realidades históricas, a Ciência, a Tecnologia, a Lógica, a Educação... Mas não se contém nesse construir. Personifica-as, torna-as sagradas. Passam a desfrutar, como nós mesmos, a ilusão de serem unidades não-plurais. De não conviverem no seu espaço interior com o não-eu. Sacralizar a unidade do que não é um. Vencemos o mito, não o mythos. Ainda desejamos Deus. Nova contradição. E um silêncio. O subjetivo explode, fragmentado, na construção histórica do objetivo. Porque não olhamos o mundo em um só momento, mas em uma pluralidade de momentos, tantos que nos dão a ilusão de fluir uma continuidade. O tempo. O espaço. Uma continuidade que é, ela mesma, contraditória e plural, mas não o parece. E entre a construção histórica desse fluir e a consciência subjetiva de que existe um presente objetivo, dança tensa o que nos acostumamos a chamar de realidade.
7 - O outro é contraditório na sua subjetividade, na procura da razão, na construção histórica dessa assim denominada realidade presente. Ilusão: não existe nada parecido a uma realidade presente. Existem realidades presentes quantas forem as subjetividades que existam no mundo. E elas se tecem e se misturam e, promíscuas, se enredam de tal forma construindo silêncios e a ilusão. Mas o outro participa conosco na construção dessa delicada pluralidade que desejamos una: a história da Civilização, a modernidade, a história da Literatura Universal - pura ilusão. Precisamos do outro para sermos nós mesmos. O outro traz consigo a circunstância. O outro traz em si o não-eu e, com ele, a possiblidade de sermos mais do que subjetivos. O outro traz para mim uma visão de eu e de mundo externa a quem eu sou e que me garante a pluralidade numa atitude oposta àquela que mantenho comigo mesmo de que não sou plural. O outro traz consigo a objetividade que nunca encontro pura. No entanto, esse desejo é parte de mim de tal modo que exclui-lo é alijar o eu. E eu apenas me aproximo do outro pela linguagem. Particularmente, pela palavra. A palavra constrói, acima de tudo, a história. A palavra elabora o eu e o eu na sua relação com o outro. A palavra é, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva. A palavra é, ela mesma, ilusão.
8 - A construção histórica dessa realidade presente é contraditória, mesmo que, muitas vezes, não se compreenda essa contradição, e como, nós mesmos que a construímos somos contraditórios - nós e o outro, é de estranhar que a palavra também o seja? A palavra carrega consigo todas as contradições da subjetividade e a ilusão de ser objetiva. Ela carrega também em si o silêncio. Mas carregando-os, assimila-os e faz com que já não se distinga o que é palavra, o que silêncio o que contradição... o que... E como é, ela mesma, contradições, carrega também a ingenuidade de ser aquilo que o outro dela puder fazer.
ACHO INÚTIL FALAR: a reinvenção da palavra
1 - Li tão pouco de Wittgenstein que até escrever seu nome me custa. Mas, como não concordar que nem tudo precisa ser falado? Há o inefável. E dentro do inefável, as lógicas filosófica e científica (ou são a mesma?) destroçam-se e se estranham a si mesmas. Então está ali o que é para ser visto mas não falado. O desafio apequena a alma e amplia os horizontes da existência. A palavra precisa reinventar-se no inefável, na tentativa sempre incompleta de dizer-se. O inefável pode ser dito? São João da Cruz: pela poesia. A poesia transforma o olhar em palavras. Essa é mais uma das funções da arte: a busca por traduzir o inefável. É apropriado, agora, ecoar Eco e dizer que eu posso pegar os Lusíadas e usar para o que o queira: até para servir de calço para uma mesa que está balançando. Talvez fosse incômodo. A arte tem muitas utilidades: uma delas é enriquecer o mercado da arte. Outra: traduzir o olhar inefável. Nem sempre a mesma obra de arte habilita-se a todas as funções.
2 - Então está aí a arte traduzindo o inefável. Mas, quando se torna poesia, não se torna dito? Então estaria errado o filósofo ao dizer que nem tudo pode ser dito? Talvezes. O que sim me parece é que aquilo que se diz na Ciência, na Lógica, na Matemática é um universo que exclui o inefável e esse projeta-se em outro universo, em que a poesia, a religião, a pintura, a mística e, até, certa filosófia (Kierkegaard?) conseguem alcançar. Habitar. O inefável é inefável em determinado universo, mas não em outro. Então o olhar olha desnuda-se e procura outra palavra que não habite o domínio do considerado normal (mas por nada não o é menos - em mérito e natureza- do que aquele em que habita o inefável).
3 - A palavra NORMAL é um abuso ao bom senso. Nada é normal. O silêncio grita tanto quanto aquilo que falo. Não! O silêncio, inefável no universo daquilo que se convencionou chamar razão e nem sempre o é, grita mais e na sua inefabilidade ele se traduz no poema que não consigo fazer, no quadro que não sei pintar, na música que nunca ouvi. Ele habita em mim como uma forma de ver o mundo e grita e quem está disposto a ouvi-lo? Então se a Ciência, a Tecnologia e a Lógica são normais elas abusam do bom senso e excluem seus silêncios. Aceitar o silêncio é aceitar o inefável e, desse modo, aceitar-se limitado, na maravilha de ser e não ser. A contradição. Somos seres abastados de contradições. Nessa lista de anormalidades normais posso acrescentar - algo triste - a Educação. Ela também exclui o inefável ou o reduz a uma impressão puramente subjetiva ou melancólica. Ou pior: ela o reduz a uma impressão.
4 - A sensibilidade é caminho para a poesia falar do inefável e eu vejo um pouco de tudo isso na arte, mas esse é um trabalho, antes de tudo, racional. Falo aqui, insisto, de outra razão que se compromete com a pluralidade de universos e se abre ao diálogo entre o dito e o silêncio. O silêncio diz no olhar e o silêncio diz na ausência e o silêncio diz na fome e na pobreza e acrescentemos um etc. São dizeres diferentes. Nem mesmo a poesia se pode atrever a falar de todos. Nem a pintura, nem... Esse é o desafio do século XXI: reconstruir a identidade, tecê-la entre a palavra, o silêncio e a palavra reinventada pelo silêncio inefável. Pluralizar a razão sem perder o condão de tecer unidade.
2 - Então está aí a arte traduzindo o inefável. Mas, quando se torna poesia, não se torna dito? Então estaria errado o filósofo ao dizer que nem tudo pode ser dito? Talvezes. O que sim me parece é que aquilo que se diz na Ciência, na Lógica, na Matemática é um universo que exclui o inefável e esse projeta-se em outro universo, em que a poesia, a religião, a pintura, a mística e, até, certa filosófia (Kierkegaard?) conseguem alcançar. Habitar. O inefável é inefável em determinado universo, mas não em outro. Então o olhar olha desnuda-se e procura outra palavra que não habite o domínio do considerado normal (mas por nada não o é menos - em mérito e natureza- do que aquele em que habita o inefável).
3 - A palavra NORMAL é um abuso ao bom senso. Nada é normal. O silêncio grita tanto quanto aquilo que falo. Não! O silêncio, inefável no universo daquilo que se convencionou chamar razão e nem sempre o é, grita mais e na sua inefabilidade ele se traduz no poema que não consigo fazer, no quadro que não sei pintar, na música que nunca ouvi. Ele habita em mim como uma forma de ver o mundo e grita e quem está disposto a ouvi-lo? Então se a Ciência, a Tecnologia e a Lógica são normais elas abusam do bom senso e excluem seus silêncios. Aceitar o silêncio é aceitar o inefável e, desse modo, aceitar-se limitado, na maravilha de ser e não ser. A contradição. Somos seres abastados de contradições. Nessa lista de anormalidades normais posso acrescentar - algo triste - a Educação. Ela também exclui o inefável ou o reduz a uma impressão puramente subjetiva ou melancólica. Ou pior: ela o reduz a uma impressão.
4 - A sensibilidade é caminho para a poesia falar do inefável e eu vejo um pouco de tudo isso na arte, mas esse é um trabalho, antes de tudo, racional. Falo aqui, insisto, de outra razão que se compromete com a pluralidade de universos e se abre ao diálogo entre o dito e o silêncio. O silêncio diz no olhar e o silêncio diz na ausência e o silêncio diz na fome e na pobreza e acrescentemos um etc. São dizeres diferentes. Nem mesmo a poesia se pode atrever a falar de todos. Nem a pintura, nem... Esse é o desafio do século XXI: reconstruir a identidade, tecê-la entre a palavra, o silêncio e a palavra reinventada pelo silêncio inefável. Pluralizar a razão sem perder o condão de tecer unidade.
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