sexta-feira, 18 de junho de 2010

ACHO INÚTIL FALAR: a reinvenção da palavra

1 - Li tão pouco de Wittgenstein que até escrever seu nome me custa. Mas, como não concordar que nem tudo precisa ser falado? Há o inefável. E dentro do inefável, as lógicas filosófica e científica (ou são a mesma?) destroçam-se e se estranham a si mesmas. Então está ali o que é para ser visto mas não falado. O desafio apequena a alma e amplia os horizontes da existência. A palavra precisa reinventar-se no inefável, na tentativa sempre incompleta de dizer-se. O inefável pode ser dito? São João da Cruz: pela poesia. A poesia transforma o olhar em palavras. Essa é mais uma das funções da arte: a busca por traduzir o inefável. É apropriado, agora, ecoar Eco e dizer que eu posso pegar os Lusíadas e usar para o que o queira: até para servir de calço para uma mesa que está balançando. Talvez fosse incômodo. A arte tem muitas utilidades: uma delas é enriquecer o mercado da arte. Outra: traduzir o olhar inefável. Nem sempre a mesma obra de arte habilita-se a todas as funções.

2 - Então está aí a arte traduzindo o inefável. Mas, quando se torna poesia, não se torna dito? Então estaria errado o filósofo ao dizer que nem tudo pode ser dito? Talvezes. O que sim me parece é que aquilo que se diz na Ciência, na Lógica, na Matemática é um universo que exclui o inefável e esse projeta-se em outro universo, em que a poesia, a religião, a pintura, a mística e, até, certa filosófia (Kierkegaard?) conseguem alcançar. Habitar. O inefável é inefável em determinado universo, mas não em outro. Então o olhar olha desnuda-se e procura outra palavra que não habite o domínio do considerado normal (mas por nada não o é menos - em mérito e natureza- do que aquele em que habita o inefável).

3 - A palavra NORMAL é um abuso ao bom senso. Nada é normal. O silêncio grita tanto quanto aquilo que falo. Não! O silêncio, inefável no universo daquilo que se convencionou chamar razão e nem sempre o é, grita mais e na sua inefabilidade ele se traduz no poema que não consigo fazer, no quadro que não sei pintar, na música que nunca ouvi. Ele habita em mim como uma forma de ver o mundo e grita e quem está disposto a ouvi-lo? Então se a Ciência, a Tecnologia e a Lógica são normais elas abusam do bom senso e excluem seus silêncios. Aceitar o silêncio é aceitar o inefável e, desse modo, aceitar-se limitado, na maravilha de ser e não ser. A contradição. Somos seres abastados de contradições. Nessa lista de anormalidades normais posso acrescentar - algo triste - a Educação. Ela também exclui o inefável ou o reduz a uma impressão puramente subjetiva ou melancólica. Ou pior: ela o reduz a uma impressão.

4 - A sensibilidade é caminho para a poesia falar do inefável e eu vejo um pouco de tudo isso na arte, mas esse é um trabalho, antes de tudo, racional.   Falo aqui, insisto, de outra razão que se compromete com a pluralidade de universos e se abre ao diálogo entre o dito e o silêncio. O silêncio diz no olhar e o silêncio diz na ausência e o silêncio diz na fome e na pobreza e acrescentemos um etc. São dizeres diferentes. Nem mesmo a poesia se pode atrever a falar de todos. Nem a pintura, nem... Esse é o desafio do século XXI: reconstruir a identidade, tecê-la entre a palavra, o silêncio e a palavra reinventada pelo silêncio inefável. Pluralizar a razão sem perder o condão de tecer unidade.

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